Túlio Martins
Graduando em
Arquitetura e Urbanismo
Faculdade Mauricio de Nassau- Graças
A cidade nasce, vive e
evolui numa heterogeneidade temporal tão expressiva, que não há como prever a
dimensão desse movimento dinâmico que incide no seu desenvolvimento.
Contudo, ela se
desenvolve em função da sua cultura, dos seus conflitos, das necessidades e dos
seus equívocos e também da consciência que se tem desses equívocos que, por
conseguinte, geram novo desenvolvimento.
Na esteira desse
crescimento a casa pede espaço, a rua tende a crescer, surgem os bairros e,
desordenadamente, vai se entrelaçando um avanço descomedido que vai assumindo as
configurações do que Le Corbusier (2009, p.10) chama de caminhos das mulas como sendo aquele formado por ruas curvas
resultantes “da vontade arbitrária, da intolerância, do relaxamento” em
detrimento das linhas retas que caracterizam as cidades modernas bem
planejadas. Dito isso, pode-se afirmar que a cidade, em toda sua complexidade,
deve ser objeto de estudo de uma civilização.
Historiando esse fenômeno, pode-se dizer que nas
décadas de 20 e 30, Pernambuco foi marcado por um período de ebulição na
cultura do estado. A arquitetura de Luiz Nunes se destacava com o Reservatório d’Água de Olinda (1936) e o
Pavilhão de Verificação de Óbitos do
Recife (1937), demostrando o despertar modernista pernambucano.
Paralelo a isso, a
formação do grupo da Revista do Norte aliado ao Movimento Regionalista de
Gilberto Freyre no Primeiro Congresso Brasileiro autóctone (1926) movimentava o
estado fomentando a cultura e dando espaço ao modernismo.
Durante esse período,
vários arquitetos foram chamados para propor e apresentar planos para uma nova
capital, a exemplo de Domingos Ferreira (1927), Nestor de Figueiredo (1932),
Atílio Corrêa Lima (1936) e Ulhôa Cintra (1943), apresentando-se como mais
famoso o projeto de Cintra intitulado,
Sugestões para Orientação do Estudo de um
Plano Geral de Remodelação e Expansão da Cidade do Recife (1963), que durou
até 1961 com a aprovação do Código de
Obras (1961).
Vale salientar que
Ulhôa, então diretor de obras da prefeitura de São Paulo e em parceria com
Francisco Prestes Maia, que foi prefeito de São Paulo de 1938 a 1945, realizaram
debates constantes com o ilustre engenheiro sanitarista Francisco Saturnino de
Brito acerca do Plano de Avenidas para a
Cidade de São Paulo, (1930) proposto
por Maia e bastante criticado nos anos seguintes.
Destarte,
“o Plano de
Avenidas, apresentado por Prestes Maia, em 1930, serviu e impôs os interesses
de um urbanismo rodoviarista, travestido de moderno, mas que oprimiu a
geografia, o desenho da cidade. Oprime os habitantes da cidade. Para esse
conceito de urbanismo, o pedestre e o ciclista não existem; metrô e a hidrovia
são desconsiderados e a ferrovia esquecida” (DELIJAICOV, 1998, p.14).
Contudo, partindo do
seu esquema teórico de viação proposto para a cidade de São Paulo em 1924,
Ulhôa Cintra buscou adaptar o perímetro de
irradiação ao sistema urbano existente no Recife, descentralizando a praça
da independência e retirando o seu caráter de convergência e circulação do
núcleo.
Enquanto que em São
Paulo, havia a interferência natural dos vales para atarantar a implantação do
perímetro, na capital Recifense, as dificuldades eram impostam pelos rios que
segregavam a cidade. Como medida para rearticular os bairros centrais, foi
proposto por Cintra um aterro sobre os bancos de areia da bacia de Santo Amaro,
formando uma praça e dando seguimento a duas pontes, uma para o bairro do
Recife e outra para o bairro de Santo Antônio, possibilitando assim,
estabelecer o perímetro de irradiação.
Além do perímetro
de irradiação central, Ulhôa propôs um sistema viário baseado em
perimetrais e radiais. As três perimetrais que foram implementadas constituem
basicamente o sistema atual, quais sejam: O eixo derby-tacaruna, hoje atual
Agamenon Magalhaes e o eixo Afogados/Madalena/Torres/Aflitos/Encruzilhada/Olinda
que consiste na perimetral II; e outra na época, paralela a uma linha férrea proposta.
Em relação ás radiais,
Cintra dispôs de seis delas que se afastavam do centro em direção a Afogados, Prado,
Caxangá, Aflitos/Torre, Encruzilhada/ Beberibe, Campo Grande, Olinda via
Avenida Cruz Cabugá.
Num dizer de Vanderli Custódio “é nítida
a importação de ideias urbanísticas estrangeiras acompanhadas dos atributos de modernas e científicas, sobretudo nas
propostas de Ulhôa Cintra e Prestes Maia, e a persistência em implantá-las,
mesmo sendo inadequadas ao sítio e à cidade existente.” (CUSTÓDIO, 2004, p.
94).
É perceptível nos projetos
de Ulhôa Cintra, a valorização das rodovias como saída para os problemas de
mobilidade urbana. Isso, quando aplicado a cidade de são Paulo, percebe-se uma
intenção solapada nos seus projetos.
Ademais, impulsionada
pelo urbanismo rodoviarista do século XX, a burguesa paulista suplicava por
líderes que trouxessem a modernidade sobre rodas. Como resultado dessa súplica,
instalou-se, naquele período, o início de um dos maiores problemas ambientais e sociais que a nossa
geração enfrenta até hoje, o automóvel.
Acerca disso, Vanderli Custódio (2004)
em seu artigo sobre os surtos urbanísticos do final do século XIX e o uso das
várzeas pelo Plano de Avenidas, definiu esse momento modernista como sendo o
marco da
“lógica da defesa dos interesses
econômicos e dos valores estéticos e ideológicos da burguesia cafeeira em
transição, no final do período, para o início da lógica da burguesia industrial
– moderna –, reforçada com a atuação das empresas automobilísticas que se
imporiam nas décadas seguintes” (CUSTÓDIO, 2004, p.96).
Notoriamente, a
ideia do urbanismo mercadológico de Ulhôa Cintra e Prestes Maia, foi presente em Pernambuco nas décadas de 20 e 30,
aplicando os conceitos do Plano de Avenidas em forma de sugestão para a
prefeitura do Recife. Hoje, a cidade do recife enfrente grandes problemas de
mobilidade urbana dos quais São Paulo também compartilha.
Por conseguinte, o atrofiamento
das ideias dos anéis Hidroviários e Ferroviários, - formato que já era presente
em Paris com o anel hidroviário formado pelo Sena, Saint-Denis e Saint-Martin- que antecedem o pensamento rodoviarista,
guiaram recife para um formato de mobilidade que baseia-se principalmente em avenidas
e ruas, suplicando cirurgias urbanas que demandarão muito mais esforço para
serem solucionadas, demonstrando assim, o seu caráter mercadológico.
15
de abril de 2016
REFERÊNCIAS
CUSTÓDIO,
Vanderli. Dos surtos urbanísticos do final do século
XIX ao uso das várzeas pelo Plano de Avenidas. Geosul, Florianópolis, v.
19, n. 38, p 77-98, jul./dez. 2004
DELIJAICOV,
Alexandre. E os rios e o desenho da
cidade: proposta de projeto para a
orla fluvial da grande São Paulo, 1998.
LE CORBUSIER. Urbanismo. 3 Ed. São Paulo.Fontes, 2000.